Com o aumento da preocupação global com sustentabilidade, termos como “orgânico” e “regenerativo” têm aparecido lado a lado em rótulos, campanhas e conversas sobre produção alimentar consciente. Mas apesar de ambos apontarem para um futuro mais verde, eles têm origens, práticas e finalidades distintas.
Entender como essas duas abordagens se distinguem é essencial para quem atua no campo, compra alimentos ou participa de decisões públicas. Neste artigo, vamos explorar as singularidades e os pontos de convergência entre os dois modelos — algo especialmente relevante para o Brasil, onde a agricultura ocupa um papel-chave tanto na economia quanto na sustentabilidade ambiental.
Normas x Filosofia: o Ponto de Partida
A agricultura orgânica é regida por normas claras e oficializadas. No cenário brasileiro, ela precisa obedecer a regras que vetam o uso de defensivos químicos sintéticos, transgênicos e exigem práticas que respeitem o meio ambiente e o bem-estar dos animais.
Por outro lado, a agricultura regenerativa atua mais como uma mentalidade de cultivo do que um modelo regulado. Seu objetivo central é restaurar a fertilidade do solo, promover a biodiversidade e revitalizar os ciclos ecológicos naturais — indo além da conservação para alcançar uma verdadeira regeneração dos ecossistemas agrícolas.
Ou seja:
- Orgânico = evitar danos.
- Regenerativo = curar e melhorar.
Solo: o Protagonista com Abordagens Diferentes
Ambos os sistemas valorizam o solo. Mas na agricultura regenerativa, ele é o centro nervoso da propriedade. É ali que tudo começa: retenção de água, captura de carbono, vida microbiana.
Na agricultura orgânica, embora o solo seja protegido, ainda é comum o uso intensivo de arado ou monocultura — práticas que, a longo prazo, podem comprometer a vitalidade do solo.
A regenerativa, por sua vez, adota estratégias que visam aumentar a matéria orgânica e a vida subterrânea, como:
- Plantio direto ou com mínimo revolvimento.
- Rotação e consórcio de culturas.
- Compostagem e uso de bioinsumos.
- Integração lavoura-pecuária-floresta, com pastoreio rotativo.
- A diferença é clara: o sistema orgânico protege o solo. O regenerativo reconstroi sua saúde.
Certificação e Confiança
Uma das forças da agricultura orgânica é justamente a certificação oficial. O consumidor encontra selos que garantem que aquele alimento foi produzido dentro de normas claras.
Na agricultura regenerativa, ainda não há uma regulamentação nacional ou internacional padronizada. Existem iniciativas como o selo Regenerative Organic Certified, mas elas ainda não são amplamente adotadas no Brasil.
Nesse contexto, muitos produtores regenerativos apostam em transparência direta: visitas abertas à propriedade, conteúdo nas redes sociais, venda direta e histórias reais compartilhadas com os clientes.
Escala, Eficiência e Mercados
Ainda existe a percepção de que a agricultura regenerativa seria exclusiva de produtores de pequena escala ou de perfil mais alternativo. No entanto, essa visão está ficando para trás à medida que grandes propriedades também começam a incorporar práticas regenerativas com foco em produtividade e adaptação climática.
Grandes propriedades já estão adotando práticas regenerativas como estratégia de resiliência climática e eficiência produtiva. Enquanto isso, a agricultura orgânica segue forte no mercado, mas muitas vezes enfrenta custos altos por depender da substituição de insumos convencionais por insumos certificados.
A abordagem regenerativa aposta na reconfiguração do sistema de produção, não apenas na troca de produtos.
Propósito e Visão de Futuro
Tanto os produtores orgânicos quanto os regenerativos compartilham valores importantes: segurança alimentar, responsabilidade ecológica, saúde das comunidades.
Mas o foco pode variar:
- O modelo orgânico tem como base o controle de insumos e riscos ao consumidor.
- O modelo regenerativo prioriza resultados ecológicos, como biodiversidade, qualidade do solo e regulação hídrica.
Um protege. O outro transforma.
Comparativo Rápido: Orgânico x Regenerativo
Aspecto |
Agricultura Orgânica |
Agricultura Regenerativa |
Certificação |
Regulamentada legalmente |
Ainda voluntária / descentralizada |
Insumos sintéticos |
Proibidos |
Proibidos ou evitados |
Solo |
Protegido |
Recuperado e enriquecido |
Ecossistema |
Conservado |
Regenerado |
Confiança do consumidor |
Baseada em selos |
Baseada em práticas e histórias |
Escala |
Presente em todas as escalas |
Crescendo entre médios e grandes |
Conclusão
Ambas as práticas compartilham o objetivo de promover uma produção agrícola mais ética e sustentável. No entanto, cada uma adota caminhos distintos para alcançar esse propósito.
Enquanto o orgânico busca minimizar danos, o regenerativo propõe recuperar o que já foi degradado. Não são opostos: são complementares.
Em tempos de crise climática e pressão sobre os recursos naturais, o modelo regenerativo surge como uma evolução do conceito de sustentabilidade. Ele não quer apenas manter o que temos — quer deixar a terra melhor do que a encontramos. E esse talvez seja o maior desafio e a maior esperança da agricultura no século XXI.